terça-feira, 2 de maio de 2017

AUDAX - Desafio 100 km

Os 100 km do Desafio do Clube Audax Floripa

Missão aceita, agora era a hora de correr atrás do equipamento, afinal eu estava longe de casa e claro não tinha nem a minha velha mountain bike comigo. O plano inicial seria alugar uma bicicletinha simples para passear pela ilha mas agora não era mais uma mera volta pelas redondezas. Foi então graças à solidariedade dos meus amigos do Fósseis do Asfalto, um grupo de atividades físicas muito motivador que temos entre os colegas do trabalho, que consegui uma bicicleta mais apropriada. O Alessandro Souza me emprestou a bicicleta da esposa, uma Caloi T-Type aro 26, com quadro de alumínio e suspensão. "Bem melhor que a minha", pensei! Peguei a bike na sexta a tarde e logo tratei de levá-la na Eric Bike, em Canasvieiras. Eu só tinha algumas horas de preparação e o Thaj, um dos proprietários da bicicletaria e que veio a se tornar um amigo, me ajudou com tudo o que seria necessário: câmaras reserva, kit de ferramentas, luvas, luzes, etc. Além disso, deu uma rápida ajustada nos freios e câmbio, além de calibrar os pneus. Pronto, eu estava em condições.

Na manhã daquele sábado, dia 24 de abril de 2015, ou melhor, na madrugada, o Corralo me apanhou e colocou a MTB no seu carro junto com sua bela bicicleta de contra-relógio (TT) de competição que ele tinha para as provas de triathlon. Chegamos ao local da partida às 5h, onde encontramos o Luba com a sua MTB Mosso, um pouco mais parecida com a minha. Fizemos a vistoria e logo depois largamos. Aquilo estava lindo! Eram cerca de 800 ciclistas com todo o tipo de bicicleta - MTB, speed, híbrida, tandem, reclinada, e até uma de dois andares! Atravessamos a Ponte Hercílio Luz e quando passávamos pela praia de São José veio um fantástico nascer do sol. O Corralo, como já tínhamos combinado, disparou na frente. A diferença das bicicletas era muita e ele precisava treinar para o Iron. Eu e o Luba ficamos então para trás, seguindo firme e no nosso próprio ritmo mas sem muito planejamento. A ideia era pedalar! E assim fomos numa boa média de 24 km/h até a primeira parada, o Posto de Controle 1 (PC1), que ficava aproximadamente no meio do caminho. Foi lá que os problemas começaram.

Digamos que a falta de experiência cobrou o seu preço. Ali, bem quando paramos e eu coloquei os pés no chão eu senti a primeira fisgada na coxa direita. Era uma leve cãibra dando as caras! Desci devagar e alonguei. Aproveitei a fila do carimbo dos passaportes para continuar alongando, depois fui ao banheiro, me alimentei e hidratei. Partimos cerca de 25 min depois, com a certeza de que não teria como continuar no mesmo ritmo e que precisaríamos parar mais vezes. Dali em diante o sofrimento começou e entendi o significado da palavra audax para essas provas. Eu iria precisar de muita coragem...

E assim, apesar do percurso predominantemente plano, o sol castigava demais com nenhuma nuvem no céu mas eu não tinha levado protetor, afinal eu já havia passado antes da largada e não imaginava que seria necessário uma reaplicação. A fadiga consumia os meus músculos das pernas e a cada dezena de quilômetros alguma outra parte dava as caras com novas cãibras, que se acumulavam com as demais. Mais tarde, fui descobrir que além da fadiga o grande motivo seria a falta de sais minerais e eletrólitos. Aliás, de alimentação eu não estava tão ruim pois tinha géis de carboidrato, barrinhas de cereal e bananinhas, além da água que eu consumi bastante.

Voltando ao desafio, fomos progredindo juntos até que quando faltavam pouco menos de 15 km para a chegada, já com uma média horária vertiginosamente decrescente beirando os 18 km/h, eu não tinha mais posição para doer menos. Se não era uma perna travando, era a outra. E sentar no banco estava impossível pois o selim da T-Type era feminino e ali eu descobri da pior maneira possível que a anatomia de um simples banco de bicicleta muda completamente conforme o gênero para qual foi feito o modelo. Minha bunda ardia, doía e formigava, era algo horrível. Pedi para o Luba para pararmos num posto de combustível para descansar e aliviar. Aproveitei e mandei dois Gatorades para dentro, deitei no chão e coloquei as pernas para cima apoiadas na parede. Fiquei ali pelo menos 15 minutos até achar que daria para levantar novamente, afinal teríamos logo em seguida a pior parte do percurso: a subida até o Mirante do Morro da Lagoa da Conceição. Seriam 2 km de subida constante, totalizando quase 130 m de elevação, com trechos de até 21% de inclinação. Eu tinha passado de carro ali na noite anterior como Corralo no reconhecimento do percurso quando fomos jantar numa pizzaria. Bem, montamos nas bicicletas e quando estávamos ao pé daquela pequena serra comecei a rezar pedindo ajuda. Orei para Maria passar na frente e também rezei mentalmente o Pai Nosso. Eu estava com um medo real de encarar aquela subida, sobretudo porque das dores insuportáveis e da fraqueza muscular. Para a minha surpresa, tudo que eu sei é que no momento que terminei a oração as dores desapareceram, de modo que fui devagar e continuamente pedalando até o topo sem sentir nada. Para mim aquilo foi um milagre e um testemunho de fé, pois além de chegar lá em cima inteiro, isso aconteceu de forma inexplicavelmente tranquila. Mais tarde, quando contei os detalhes para a minha esposa ela ainda me deu bronca porque eu "tinha gastado um milagre" com algo tão bobo. "Que nada", eu respondi, pois está escrito em Mateus 22: "e tudo o que pedirdes em oração, se crerdes, recebereis”. Louvado seja o meu Senhor Jesus Cristo!

Pouco depois concluímos, eu eu o Luba juntos, o Desafio 100 km do Audax. Na verdade foram 114 km. Veja aqui o registro no Strava e o mapa do percurso. O tempo total foi de 6h21, apenas 9 minutos antes do fechamento do horário limite. As lágrimas desceram quando cruzei o pórtico, misto de agradecimento pelo milagre e pela superação, uma vez que até então eu nunca tinha feito sequer 50 km de bicicleta. Recebi a medalha e o certificado, sendo a prova mais dura e sofrida que eu tinha feito até então em toda a minha vida. Dali, por recomendação da moça que conferiu meu passaporte (depois fiquei sabendo que ela era a própria Rafaella Della Giustina, Super Randoneur, organizadora da prova e que já fez a tradicional prova Paris-Brest-Paris de 1.200 km), fui direto para a maca de massagem tratar das dores musculares. Depois nos encontramos com o Corralo, que já devia estar mofando no carro uma vez que chegou com um tempo pouco maior que 4h.

Registro no Strava. Clique na imagem para detalhes


Passaporte, número de identificação, certificado e medalha

Conclusões:

  • Aprenda a planejar a sua prova, dos cuidados logísticos, passando por protetor solar, alimentação e hidratação, até os pontos de paradas e médias horárias em cada segmento. 
  • Ajuste a bicicleta ao seu corpo (principalmente o selim). 
  • Qualquer um que desejar fazer uma prova de Audax que comece pelos desafios menores que um brevet de 200 km; eles são belos aprendizados. 
  • A fé torna possível superar montanhas. 

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